quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Dois corações.

E se fez um rio. As águas corriam por dentro do espaço quase vazio das frestas sujas de madeira. Fazia questão de me encarar, com sua imensidade rítmica. Me senti apagada e o céu me esmagava, quebrando-me os ossos. Cacos de vidro e porcelana me rodeavam os pés que agora sangravam. O meu mundo latejando, com um ardor pretenciosamente destrutível e com um frescor que aparecia beeeem de longe, intangível. A dor lacerante do sal nas feridas vivazes me engolia e eu senti algo novo. Paixão. Me apaixonava pela incontrolável sede de morrer. Tudo ao redor parecia se mover em câmera rápida. Sedi ao peso do meu corpo e caí. O vidro perfurou minha pele pálida e em cada pontada, em cada sangrar, consegui sentir dores orgasmantes. Desejei que durassem para sempre. Deitada sobre minha barriga, não contestei o fato de que nada me restava. Meus lábios beijaram o chão e os cortes profundos me trouxeram o gosto amargo e salagado do sangue. Bebi, gole por gole. Agarrei alguma coisa. Mas não consegui fazer com que minha mão cortasse meu estômago de maneira transversal. Trouxe minha mão ao peito. Senti meu coração bater cada vez mais depressa, como se ele soubesse. Como se quisesse aproveitar para bater o máximo possível antes de adormecer. Cravei a faca no peito e soltei um grito mudo. Então o rio parou e ficou em silêncio. Os gritos da mente pararam. Os cacos não se movimentavam mais embaixo do corpo. E como num sopro, o coração apagou. Nada mais se ouviu. Se ouvia apenas um pequeno coração, que parecia chorar... vinha do estômago da morta.

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