Estava olhando a imensidão azul do mar. O vento me bagunçava os cabelos e o cheiro de maresia invadia-me os pulmões. A rua estava vazia, os pombos sujos e esfomeados se moviam na quadra de frente. Estava sofrendo demais pra me incomodar. Sofria demais pra chorar. Fechava os olhos de vez em quando, pra fugir do quadro deprimente que era eu e minha sombra, sozinhas, na praia, na chuva. Meus lábios estavam arroxeados pelo frio e meu rosto ardia por adormecer-se. Meus dedos de tempo em tempo agarravam-se involuntariamente ao chão do concreto. Ela vinha andando. Sentou-se ao meu lado.
- Mas, já? - disse eu.
- Não sei, me diga você. Mas, já?
- Estou com frio. Tudo em mim dói. Só ouço o vazio da solidão e escuto o que não se ouve. Acho que já.
- Então vamos. Dai-me a mão.
- Temo.
- Ficar aqui, ou ir comigo?
- Arrepender-me.
- Não vale à pena viver arrependido... é apenas o passado te destruindo no presente.
- Pedaços de mim caem.
- Podemos pegá-los no caminho. Vamos logo?
- Direto?
- Sim, sem escalas.
- Só nós duas?
- Mas é claro.
- Não.
- Não?
- Acho que amar é o suficiente pra me fazer ficar.
Assim largava a faca da minha mão. Ouvi o baque do metal no concreto e senti alívio. Me arrependi de ter chegado até onde estava. Despedi-me de minha consciência. Agora era eu, e estava apaixonada. Por mim. Pela vida. Pela liberdade.
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