sexta-feira, 26 de novembro de 2010
574.
As chamas consumiam os vidros que ao longo do tempo embaçavam. Todos no interior, gritavam frenéticamente, esquivando-se do calor ardente e refugiando-se na fé. Eu fiquei sentada. Não movi um músculo sequer. Não gritei. Tampouco tive medo. O fluxo de pessoas era demasiado para o espaço, que parecia ficar cada vez menor. As paredes me esmagavam, meus pulmões latejavam de dor, minha face molhada pelo suor, minha boca arfava ofegante, involuntária. Nos meus olhos, eu vi o vermelho do fogo e a dor me chegou à pele, que sentia a aflição, que sentia a agitação. Mulheres, homens, crianças, todos gritando, todos correndo, todos agarrando-se à algo ou alguém, todos acreditando, ou querendo acreditar. E eu imóvel. Foi como assistir à um coração, que antes de se apagar, palpita como nunca antes, e depois, sem avisos, se fecha num mundo próprio, sem volta. A tosse seca aflorava por sobre meus lábios frios e quentes, secos e irritados. Olhei pro meu pulso, e vi. Vi as horas, vi o tempo passar. Minuto por minuto. Segundo por segundo. Foi tão indiferente. Com a ponta dos dedos, escrevi no vidro o que devia. Fechei os olhos e senti as pontas dos dedos adormecendo, senti uma dor intensa no meu corpo, mas em silêncio fiquei. Minhas pernas arederam no fogo amarelo. Depois de um tempo, que a chama incandescente se apoderava de mim, esta assumiu a cor vermelha. O fogo se misturava com meu sangue. Doeu. Aliviava meus músculos, o sofrer inacabável. Tentaram me acordar do transe, tirar-me o único que me restava: a dor. Não conseguiram. Adormeci ali. Viu-se no vidro do ônibus escrito: Amo-te, vivi por ti, morrerei por ti.
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